terça-feira, maio 31, 2005

Adelaide

Em casa da minha avó havia uma lareira na cozinha. Não era mais do que uma enorme laje granítica em cima da qual estava uma lareira permanentemente acesa, e que aquecia a água de um pote de três pernas, de ferro fundido. Recordo-me de estar sentado à mesa que ficava por baixo da janela a observar, calma e atentamente, a chuva que caía lá fora e as chamas multicolores que se formavam por baixo do pote. Esta alternância exercia em mim uma espécie de encanto que me transportava para um estado de dormência, para o qual contribuíam grandemente as pequenas doses de verde tinto aquecido ao lume e misturado com açúcar que a minha avó me servia naquelas tardes mágicas de Dezembro. Gostava muito da minha avó. Não falávamos muito um com o outro. Ela andava pela casa atarefada nas suas lides e eu acompanhava-a em silêncio. Quando ela fazia uma pausa sentávamo-nos à mesa da cozinha a ver chover lá fora e raramente trocávamos uma palavra; mas eu sentia que estávamos muito próximos. Em frente da janela havia um limoeiro esquelético, muito torto e depenado, que fornecia limões sumarentos durante todo o ano. Um pouco mais para a esquerda havia uma tangerineira cuja copa frondosa e semi-esférica parecia diariamente aparada por um escultor. No mesmo alinhamento, o trio que delimitava, por meio de um socalco, o início da horta, ficava completo com uma laranjeira de onde pendia um baloiço feito com uma corda e um velho pneu.