O despertador toca cedo. Muito cedo. Demasiadamente cedo. Abro, a custo, os olhos e mantenho-os semi-cerrados. Na realidade, e como é habitual, abro apenas o esquerdo; porque, também como é costume, acordo virado para a janela.
Apercebo-me que a persiana não ficou completamente fechada. Verifico isso porque há uma fina lâmina de sol que persiste em penetrar por entre duas réguas.
Sol? Aí está o incentivo que me faltava. Arrasto-me até à sala – que dorme sempre de persianas abertas – e confirmo a sua presença. Não há nada como uma fria mas solarenga manhã de Outono. Afasto as cortinas enquanto simultaneamente fecho os olhos e abro os braços. Assim permaneço, a usufruir deste privilégio matinal, durante aqueles dois ou três minutos que se transformam em eternidade.
Abro contrariada e lentamente os olhos. Grande algazarra ali adiante. Não, não são apenas a habituais e odiosas gaivotas. Há silhuetas, voos e bateres de asas bastante diferenciados. Garças já por aqui andam há umas semanas, e aqueles voos paralelos ao espelho de água são típicos dos patos – mais raros mas também usuais nesta época. Há, no entanto, ali algo que eu nunca vi por estas bandas: permanecem calmamente à superfície, aparentemente em inocente repouso até que, repentinamente, mergulham e desaparecem durante largos segundos. Já vi patos fazerem isto. Mas não permanecem tanto tempo submersos nem tem o pescoço tão comprido.
Corro à casa de banho e mergulho a cara em água fresca. Regresso à janela já munido de binóculos. Gansos! São gansos! Nunca os tinha visto por aqui.
Lá estão as garças no seu voo simultaneamente desengonçado e majestoso, sobrevoando tudo e todos, com a calma de quem todo um dia tem pela frente. Os patos, que ora voam, ora aterram planando na superfície de água mergulhando durante muito breves instantes. E ainda as gaivotas: aquelas ratazanas voadoras, como muito bem Sepúlveda lhes chamou um dia, com um voo pouco gracioso e uma postura parasita.
A grande novidade é a presença dos gansos. Que sorte! Que privilégio! Ao fim de alguns minutos vejo emergir um deles com um peixe na boca.
A vida pode, afinal, ser bela. Muito bela. No meio deste raro despertar assalta-me repentinamente o h5enenãoseidasquantas. Será que houve alteração das rotas migratórias? Merda! Odeio fazedores de notícias!